Acupuntura para lombalgia: a polémica de NICE

“In this environment should we not be seeking low cost effective treatments, rather than expensive patented devices and products? It doesn’t seem as if our system has the right balance. The rigour applied to acupuncture is laudable, but only if the same rigour is equally applied to conventional interventions and particularly those that have strong commercial backing… but this does not seem to be the case.”

Mike Cummings

NICE é a inicial para o National Institute for Health and Clinical Excellence e recentemente emitiu uma guideline que envolvia o uso de acupuntura para lombalgia.

NICE é o instituto do Reino Unido responsável pela definição de guidelines clinicas baseadas na evidência para o Serviço Nacional de Saúde.

Recentemente (2016) publicou as guidelines para tratamento da lombalgia com ou sem ciática nas quais aconselhava exercício físico, técnicas manipulativas, abordagens psicoterapêuticas e anti-inflamatórios.

Ao contrário das guidelines de 2009 que advogavam o uso da acupuntura para lombalgia, as novas guideline deixaram de apoiar esta técnica invasiva.

Esta mudança relativamente à acupuntura desencadeou uma série de respostas em diferentes organizações e fazedores de opinião por toda a internet.

Edzard Ernest rejubilou com a retirada da acupuntura para lombalgia da lista de terapias aconselhadas assim como todos os sites céticos.

Mas a comunidade de profissionais de saúde (médicos, acupuntores e fisioterapeutas) começaram a mostrar-se abertamente contra.

departamento acupuntura

Criticas às guidelines de NICE para acupuntura para lombalgia

NICE reconhece a eficácia da acupuntura

O grupo de desenvolvimento das guidelines escreve no seu relatório sobre acupuntura para lombalgia:

“clinically important benefits in terms of improvements in quality of life . . . Benefit was also observed in pain and function ≤4 months, identified from a large body of evidence.”

NICE Guidelines, pág. 494

Se a questão colocada era “a acupuntura é eficaz no tratamento de lombalgia?” e se existe um corpo de evidências gigante a suportar essa afirmação porque desaconselharam a acupuntura para lombalgia?

O grupo de trabalho decidiu que não era só importante averiguar se a acupuntura tinha eficácia comprovada contra a lombalgia mas também compará-la com estudos usando placebo.

Ou seja, apesar da acupuntura apresentar evidências esmagadoras da sua eficácia no tratamento da lombalgia ela foi preterida porque estudos com placebo usando “acupuntura falsa” indica que existe uma diferença mínima mas que não é considerada significante clinicamente.

Isto gera vários problemas que tem vindo a ser falados por toda a comunidade de investigação.

A acupuntura falsa

Em primeiro lugar a chamada “acupuntura falsa” apresenta efeitos neurofisiológicos que não são desprezáveis clinicamente.

Um placebo assume-se inerte em estudos controlados.

É impossível vedar completamente o acupuntor e doente à experiência e a chamada “acupuntura falsa” não é inerte.

Por isso os estudos onde se compara a acupuntura com um placebo tem vindo a ser preteridos por estudos onde se compara a acupuntura com tratamentos convencionais.

Formas de racionalizar o pensamento clinico de técnicas invasivas

Em segundo lugar muitos estudos são dedicados a determinadas formas de pensar a acupuntura.

Por exemplo uma abordagem mais tradicional e menos focada numa acupuntura anátomo-fisiológica baseada na evidência.

Usar acupuntura tradicional chinesa com “acupuntura falsa” no tratamento de um problema músculo-esquelético provavelmente irá apresentar bons resultados na duas devido aos efeitos não especificos da acupuntura mas com poucas diferenças entre as duas abordagens.

Desfasamento entre estudos e clinica

Em terceiro lugar, não só é difícil (se não mesmo impossível) fazer estudos com placebo em acupuntura como esses estudos são especificados em ambientes controlados que não correspondem à prática clinica diária.

Um estudo demonstra que a acupuntura “verdadeira” e “falsa” funcionam melhor que os tratamentos convencionais mas sem diferenças estatisticamente significativas apesar de uma ligeira superioridade da “verdadeira”.

Ou seja a acupuntura não funciona sob a perspetiva do placebo mas sob a perspetiva clinica diária é o melhor tratamento disponível.

Existe, então um contrasenso entre os resultados da clinica diária e de estudos experimentais controlados.

Escolha de estudo e interpretação de resultados

Em quarto lugar, existe o problema da forma como escolheram estudos e leram os seus resultados.

Inúmeros investigadores tem apontado falhas na metodologia de trabalho do NICE acentuando a discrepância entre valores dos estudos referidos e os valores mencionados pelo grupo de trabalho, assim como estudos científicos que não foram usados pelo grupo de trabalho mas deveriam ter sido.

Não interessa onde colocam as agulhas…

Uma frase muito ouvida quando se fazem leituras apressadas de estudos e se dá atenção a leituras tendenciosas de determiandos resultados.

Ou seja, para muitos céticos, estimular superficialmente a pele com a ponta da agulha, inserir profundamente a agulha diretamente num nervo ou inseri-la diretamente num tendão é exatamente a mesma coisa e provoca os mesmos efeito neurofisiológicos.

Mas um exercício intelectual de puro bom senso pode levantar a questão:

“Será que o estímulo superficial na pele pode promover alterações nos canais de cálcio tal como faz a puntura no ventre muscular?”

técnicas manuais de osteopatia

O contrasenso de NICE

Uma comédia entre dependências e exercício físico

Uma das questões que NICE colocava era se a natureza passiva da acupuntura não provocaria dependência do tratamento e incentivaria as pessoas a não fazerem exercício.

No entanto a acupuntura é usada por vários profissionais de saúde que usam exercício físico nos seus tratamentos e a própria abordagem mais tradicional tem uma filosofia própria que advoga técnicas de meditação, exercício, nutrição, etc…

Não só não existe nenhum fundamento para fazer este tipo de afirmação como não tem lógica usar isto para desaconselhar a acupuntura ao mesmo tempo que se aconselha o uso de anti-inflamatórios e opióides.

Discriminar estudos e terapias

Outro contrasenso está na forma discriminatória como a acupuntura foi avaliada em comparação com outras terapias.

O exercício físico “verdadeiro” falhou em demonstrar maior eficácia que o “falso” tal como tem sido anotado por muitos críticos das guidelines NICE.

Os resultados para terapias comportamentais foram ainda mais fracos.

De tal forma que o próprio grupo escreveu que não existe nenhuma indicação de eficácia para as terapias comportamentais.

Mas mesmo assim foi incluida no grupo de tratamentos aconselhados.

“No clinical benefit was observed for people with low back pain with / without sciatica when cognitive behavioural approaches was compared to sham or usual care or waiting list controls for the majority of reported outcomes.”

NICE guideline pág. 601

Os estudos disponíveis também indicam claramente que o paracetamol e opióides aconselhados pelas guidelines NICE não funcionam (e sim a acupuntura funciona melhor do que estes medicamentos) mas as guidelines de NICE aconselham o seu uso conjunto sem terem um único estudo a apoiar o seu uso conjunto.

“The criteria that NICE used to evaluate acupuncture for low back pain are not the same as those used for other physical therapies, and therefore the recommendations are founded on evidence-biased medicine rather than on evidence-based medicine”

Professor Hugh MacPherson da University of York

Usar em conjunto dois medicamentos que não demonstraram eficácia nenhuma isoladamente, que não tem estudos clínicos com o seu uso combinado e que provocam efeitos secundários indesejáveis será medicina baseada na evidência?

Pode discutir-se muito entre acupuntura “verdadeira” e “falsa” mas a acupuntura para lombalgia tem mostrado mais relevância clinica e é muito mais segura que uma combinação de paracetamol e opióides.

A acupuntura “verdadeira” demonstrou melhores resultados que a “falsa” mas sem significância estatística (de acordo com NICE).

Também apresentou resultados superiores aos tratamentos convencionais e, no entanto, foi desaconselhada.

O paracetamol, opióides, exercício e terapia cognitiva todos falharam em mostrar-se melhores que o placebo e não foram superiores aos tratamentos convencionais mas todos foram aconselhados.

12 tipos de acupuntura

Os interesses profissionais e económicos de NICE

Supostamente não devem existir conflitos de interesse nas guidelines NICE de forma a garantir que as guidelines são fidedignas e imparciais.

Vamos dar voto à Indústria Farmacêutica

Assim, quando se vota o uso de medicamentos todos os membros que tem interesse de conflitos com indústria farmacêutica são removidos da sala de forma a que esta indústria não consiga viciar os resultados.

Mas os mesmos membros não são retirados da sala quando se vota a acupuntura que em inúmeros estudos tem demonstrado que consegue diminuir a toma de medicamentos em pacientes com dor.

Como será o voto da indústria relativamente à acupuntura quando esta tem capacidade de diminuir as suas receitas?

O Sistema Nacional de Saúde inglês gasta mais de 300 milhões de libras a tratar efeitos secundários dos NSAID que podem ir desde hemorragias digestivas a falência cardíaca. De acordo com um estudo científico:

“On average 1 in 1200 patients taking NSAIDs for at least 2 months will die from gastroduodenal complications who would not have died had they not taken NSAIDs. This extrapolates to about 2000 deaths each year in the UK.”

Quantitative estimation of rare adverse events which follow a biological progression: a new model applied to chronic NSAID use.

Outro estudo nos EUA apontava:

“Nonsteroidal antiinflammatory drug (NSAID) gastrointestinal (GI) pathology (gastropathy) accounts for over 70,000 hospitalizations and over 7,000 deaths annually in the United States. “

NSAID gastropathy: the second most deadly rheumatic disease? Epidemiology and risk appraisal.

A indústria farmacêutica ganha da venda de medicamentos ineficazes para a dor e da venda de medicamentos para tratar os efeitos secundários dos primeiros.

E esta indústria tem capacidade para eleger representantes com capacidade de voto nas guidelines públicas em terapias que afetam os seus ganhos.

Na realidade, um estudo recente do Center for Health Economics da Universidade de York conclui-o que NICE era demasiado generosa a aprovar drogas e que a sua metodologia tinha feito mais mal que bem ao NHS.

Mas existem outros conflitos de interesse que não são tão públicos.

Mudança de direção de NICE: a vitória dos anestesistas

As guidelines NICE de 2009 incluíam a acupuntura com uma base de evidência forte.

O que mudou radicalmente na investigação para agora ser um tratamento não aconselhado?

Como se nota num artigo do Brittish Medical Journal (BMJ) em 2009 o diretor (chair) era um clinico académico e o vice-diretor (vice-chair) era um professor de fisioterapia, presidente da Brittish Society of Pain.

Foi o primeiro presidente desta sociedade que não era anestesista.

As guidelines de 2009 geraram controvérsia entre os anestesistas porquem existiam indicações para não se aplicar técnicas de intervenção em favor da acupuntura.

No entanto o diretor da atual guideline é um anestesista (interventionist anaesthetists) e defende técnicas intervencionistas como a denervação por radiofrequência em favor da acupuntura, apesar de estudos da Cohcrane a indicarem que não existem sólidas evidências a favor desta técnica.

Será a acupuntura um tratamento inútil ou simplesmente a vítima principal da conjugação de uma série de interesses económicos e profissionais?

pilares da acupuntura para lombalgia

Um relatório polémico na prática clinica

Tomar anti-inflamatórios e opióides fracos enquanto fala com o seu psicólogo pode fazer maravilhas pela vida económica do seu psicólogo e para a indústria farmacêutica.

Mas dificilmente vai conseguir tratar uma lombalgia usando essas terapias.

A dor lombar é na maioria das vezes um problema estrutural: abordagens psicológicas ou bioquímicas são inúteis na maioria das vezes.

Um problema estrutural exige uma abordagem estrutural e nesse sentido associar técnicas de osteopatia, fisioterapia, acupuntura e exercício físico são essenciais.

Más notícias para Edzard Ernest.

A acupuntura (nas suas variantes tradicionais e contemporâneas) é uma ferramenta que tem conquistado cada vez mais terapeutas que na vida real se vêem condicionados pelos resultados clínicos.

“I have always been puzzled by the nonsense of assessing clinical relevance over an active sham comparator (favoured by NICE) rather than usual care or the best current treatment available.”

Mike Cummings

NICE contra o mundo

Poderíamos pensar que finalmente a acupuntura iria ser posta no seu canto das terapias sem evidência.

Após um engano inicial (2009) em que foi aconselhada para tratar lombalgia as guidelines de NICE finalmente ganharam juizo (2016) e retirou-se esta terapia altamente duvidosa das guidelines para lombalgia.

Mas os resultados destas guidelines estão totalmente opostos ao que as suas congéneres mundo fora defendem.

Nos EUA a ordem dos médicos aconselha a acupuntura para lombalgia, A Agency for Healthcare Research and Quality, a Joint Comission, a Sociedade Americana da Dor, a Academia Americana de Médicos de Família, o Colégio Americano de Saúde Ambiental e Ocupacional todos defendem o uso da acupuntura no tratamento de lombalgia.

No Canadá, Escócia, Austrália e Nova Zelândia as principais associações médicas e guidelines nacionais estão a indicar o uso da acupuntura para lombalgia.

São cada vez mais as associações médicas profissionais e as guidelines nacionais que dão atenção ao uso de punção seca e outras variantes invasivas na dor lombar.

São cada vez mais as organizações médicas e de fisioterapia que defendem o uso e benefícios da acupuntura.

dialogar com médicos e evidencia clinica

Conclusão sobre acupuntura na lombalgia e as guidelines NICE

Edzard Ernest aplaudiu estas guidelines escrevendo que eram boas noticias:

(1) para os doentes que tinham uma agência de autoridade a dizer o que fazer em caso de dor lombar,

(2) boas notícias para a sociedade que já não tinha de gastar dinheiro em terapias questionáveis e

(3) boas notícias para clínicos responsáveis que agora poderiam aconselhar os melhores tratamentos disponíveis.

Os doentes antes desta última guideline já tinham NICE a dizer-lhes para fazer acupuntura, mas creio que nessa altura NICE não seria uma autoridade para Edzard.

As inúmeras organizações, associações e instituições governamentais a defender o uso da acupuntura também não devem ter autoridade.

Ou podemos assumir o cenário ridículo que a acupuntura é eficaz no Canadá, EUA e Austrália mas não passa placebo no Reino Unido?

Como ficou demonstrado pelo próprio relatório das guideline de NICE (que Edzard nunca deu ao trabalho de ler de forma imparcial) a única coisa que a sociedade vai fazer é gastar dinheiro em tratamentos inúteis e considerando os efeitos secundários da medicação aconselhada também se pode ter a certeza que vai gastar dinheiro em tratamentos desnecessários (tratamentos farmacológicos evidentemente).

Não se compreende quais as boas notícias quando uma sociedade é aconselhada a usar anti-inflamatórios e opióides fracos em detrimento de terapias que mostraram ser superiores aos tratamentos usuais e com um perfil de segurança excelente como a acupuntura para lombalgia.

Os clinicos vão continuar a aconselhar o que funciona melhor para os seus doentes (acupuntura incluída) e não é por isso que vão deixar de ser mais responsáveis.

Se na clinica diária a acupuntura na lombalgia oferece os melhores resultados os “clínicos responsáveis” deste planeta vão continuar, cada vez mais, a aconselhar esta terapia.

O isolamento de Edzard Ernst

A oposição de Edzard Ernest e do NICE à acupuntura para lombalgia está cada vez mais isolada da opinião corrente das principais associações médicas, classes profissionais e guidelines nacionais.

A resposta favorável a estas guidelines veio principalmente de sites de céticos.

As críticas vieram de profissionais e associações de acupuntura (como seria de esperar) mas também do meio académico, da classe médica e dos fisioterapeutas.

Quem não tem de lidar com a realidade clínica diária e gosta de pensar que o mundo preto e branco e mal discutido dos placebos é real tem mais facilidade para rejeitar estas terapias do que os profissionais de saúde que no dia a dia tem de arranjar soluções aos seus pacientes que sejam superiores aos tratamentos usuais.

Uma coisa é boa no final: finalmente se começa a dar crédito ao exercício e à sua importância para manutenção da saúde e tratamento da dor.

Mas mantêm-se uma questão importante:

Será lógico negarmos um tratamento seguro, estruturado em bases racionais e com melhores resultados que tratamentos usuais porque ele não se mostrou melhor “estatisticamente” que um placebo não inerte?

A acupuntura para lombalgia está para ficar?

Referências Bibliográficas

https://www.nice.org.uk/news/article/nice-publishes-updated-advice-on-treating-low-back-pain

https://www.nice.org.uk/guidance/ng59/documents/draft-guideline

https://www.abetterwaytohealth.com/the-nice-low-back-pain-guidelines-a-big-misunderstanding/

NICE no longer recommends acupuncture, chiropractic or osteopathy for low back pain

https://acupunctureprofessional.com/nice-guidelines-back-pain-acupuncture/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10692616

https://europepmc.org/abstract/med/2038014

https://blogs.bmj.com/aim/2016/11/30/too-nice/

https://www.bmj.com/content/350/bmj.h955