3 profissões de saúde: Fronteiras, Choques e Inovação
TABELA DE CONTEÚDOS
Nos últimos anos, tem-se observado em Portugal uma crescente fusão entre técnicas provenientes de profissões de saúde distintas como osteopatia, fisioterapia e acupuntura.
Afinal, o que define um dado profissional de saúde? No setor público, a classe profissional surge muitas vezes bem delineada por estatutos e carreiras. Mas e no privado?
Inserir agulhas no corpo humano não era exatamente o que muitos fisioterapeutas imaginavam ao inscreverem-se nas suas licenciaturas, mas o mercado de saúde evolui, e com ele surgem novas dinâmicas que desafiam fronteiras tradicionais e alimentam tensões sociais e científicas.
Muitas inovações terapêuticas não surgem de revoluções teóricas, mas sim de pequenas e constantes adaptações e da combinação de conhecimentos de diferentes áreas.
A própria história da “fisioterapia invasiva”, com a sua raiz na acupunctura tradicional e contemporânea, ou o desenvolvimento de conceitos como as cadeias musculares a partir do método Rolf, ilustram como a “violação” de fronteiras profissionais pode gerar novas abordagens clínicas.
Será que ao defendermos demasiado as nossas “capelinhas” estamos a limitar o progresso da ciência clínica?
O crescimento de profissões de saúde como a enfermagem e a fisioterapia demonstra uma evolução constante, com ganhos de autonomia e expansão de competências.
Será que a defesa intransigente das fronteiras profissionais impede este desenvolvimento natural e necessário?

A Necessidade de Classes Profissionais: convergências e divergências
Definir o papel de cada classe profissional é essencial para evitar conflitos e garantir a eficácia dos cuidados prestados. No setor público, estas fronteiras são rígidas e bem delimitadas.
Enquanto um técnico no público segue um caminho pré-estabelecido, com critérios de avaliação e progressão bem definidos, o profissional liberal molda o seu percurso pela necessidade constante de apresentar abordagens diferenciadas com resultados superiores.
No privado, a inovação clínica é mais ágil e as barreiras sócio-profissionais tradicionais tornam-se permeáveis.
Fisioterapeutas exploram técnicas osteopáticas; osteopatas aventuram-se na acupuntura; acupuntores tentam adaptar novas tecnologias aos seus conhecimentos tradicionais.
Este movimento gera tensões inevitáveis, mas também oportunidades únicas para inovação.
Por exemplo, os fisioterapeutas destacam-se por sua formação científica sólida e pela capacidade de integrar novas técnicas como punção seca ou eletrólise percutânea – adaptações da acupuntura tradicional que se distanciam das crenças esotéricas dos acupuntores.
Já os osteopatas, com autonomia garantida por lei, procuram reinventar-se ao incorporar técnicas de fisioterapia e acupuntura para expandir seu alcance clínico.
Por outro lado, os acupuntores enfrentam limitações significativas devido à falta de formação científica robusta e à resistência em integrar conhecimentos externos.
Mas onde traçar a linha entre a necessidade de definir classes sociais e a urgência de permitir a evolução das terapêuticas?
Quem assume responsabilidades? Que profissional aplica qual técnica?
O Choque Científico e Político
A política dos interesses das diferentes profissões de saúde nem sempre alinha com a partilha de conhecimento e a busca pela melhor solução para o paciente.
Todos trabalhamos enquanto profissionais liberais mas com formação enquanto profissionais tradicionais. Os fisioterapeutas aprendem acupuntura ao mesmo tempo que tentam impedir outros não-fisioterapeutas de aprenderem fisioterapia ou acupuntura.
Este é um choque político gerado pela criação e identidade profissional. Depois temos o choque cientifico derivado da forma como cada classe enquadra os seus conhecimentos.
Entre osteopatia e fisioterapia, o choque cientifico é menos evidente. Ambas partilham bases científicas comuns – anatomia e biomecânica – que facilitam a integração de técnicas.
Apesar do choque científico, a acupunctura e a osteopatia encontram-se lado a lado como Terapêuticas Não Convencionais, com interesses políticos comuns. No entanto, a formação científica e o raciocínio clínico mantêm-nas em universos distintos.
Como referido, com a acupuntura, o cenário é diferente. Existe um claro choque científico entre as crenças energéticas tradicionais da acupuntura e o raciocínio clínico baseado em evidências das outras áreas.
Técnicas como punção seca são rebatizadas como fisioterapia invasiva para afastar associações com conceitos esotéricos – uma estratégia tanto política quanto científica.
Apesar disso, há potencial para colaboração. Se os acupuntores reconhecessem as falhas na sua formação científica e explorassem o raciocínio clínico osteopático, poderiam criar abordagens mais eficazes e competitivas.
Até agora, quem realmente percebeu as vantagens de integrar estas modalidades foram os fisioterapeutas – líderes claros num mercado cada vez mais competitivo.

O Público vs. Privado: Dinâmicas de Mercado
No setor público, onde os custos são baixos ou inexistentes para o paciente, longos tratamentos sem resultados podem ser tolerados. No privado, onde cada consulta pesa no bolso do paciente, a eficiência é prioritária.
A pressão por resultados no setor privado, onde o paciente paga diretamente pelos serviços, muitas vezes impulsiona uma busca mais rápida por formações e técnicas inovadoras.
Esta diferença de ritmo e exigência não cria um fosso na qualidade dos serviços prestados e na capacidade de resposta às necessidades dos pacientes?
É aqui que os profissionais ampliam competências para oferecer soluções mais completas e integradas. Também é nesta dinâmica de mercado que surgem os choques profissionais.
Uma das consequências desta dinâmica reflete-se na inovação clínica com integração de técnicas.
Um exemplo prático e simples. Um paciente com epicondilite vai ao osteopata fazer técnicas de tração, mobilidade articular, etc…; depois vai ao acupuntor fazer acupuntura elétrica e no final vai ao fisioterapeuta fazer exercícios de reabilitação, ondas de choque, etc… Porque não fazer tudo com um único profissional?
Os fisioterapeutas, pela forma agressiva com que invadem outras áreas tem sido aos mais beneficiados. Os mais prejudicados tem sido os acupuntores que se encontram mais fechados profissionalmente e com menor capacidade cientifica de integrar estas áreas.
Estas perspectivas levantam questões sérias que são sentidas de forma diferente pelos seus intervenientes.
Onde reside o ponto de equilíbrio entre a defesa dos interesses de uma classe profissional e a promoção da inovação e da troca de conhecimento?
Poderia haver diferentes níveis de liberdade para a inovação no setor público e no privado?
Até que ponto considerações éticas subjetivas devem impedir a partilha de saberes em prol de terapêuticas mais eficazes e integradas?
As necessidades de um mercado competitivo podem coexistir com categorizações sociais que limitam a inovação?
Estas são questões cruciais que merecem uma reflexão profunda e aberta por todos os profissionais de saúde liberais.
Conclusão: O Futuro da Saúde Integrada
Osteopatia, fisioterapia e acupunctura são três profissões de saúde distintas, mas interligadas por interesses profissionais, sociais e económicos. Esta interligação gera choques e conflitos, mas também oportunidades de crescimento.
A mistura constante de competências entre estas profissões de saúde desafia categorizações tradicionais e abre caminho para terapias mais completas e eficazes.
A capacidade de sair da sua zona de conforto e trazer novas abordagens para o mercado da saúde é o que define os melhores profissionais e garante o futuro destas áreas.
O futuro pertence aos profissionais que ultrapassam fronteiras sociais e científicas para inovar.
Será que faz sentido manter divisões rígidas quando um único profissional pode oferecer uma abordagem integrada?
Ou será necessário reformular completamente as normas sociais que regem estas classes?
Uma coisa é certa: quem tiver visão para colaborar em vez de competir estará melhor preparado para enfrentar os desafios do mercado da saúde moderno