Técnicas osteopáticas: a evidência e a análise da evidência
TABELA DE CONTEÚDOS
Os estudos sociais sobre o impacto da osteopatia na vida dos pacientes apresentam resultados muito positivos.
Estes estudos internacionais tem várias particularidades; ora são feitos em ambiente hospitalar ora são feitos em clinica privada.
Se por um lado são feitos com base nos dados cedidos pela clinica, por outro também são feitos usando o paciente como principal fonte de informação.
Tanto os estudos feitos por associações, ou clinicas osteopáticas, ou independentes, mostram um nível de satisfação muito elevado, estando esse nível de satisfação associado aos resultados sentidos e sensação de bem estar.
No entanto estes estudos tem 3 falhas principais.
Em primeiro lugar os pacientes que não gostaram do tratamento tendem a não participar nos questionários anónimos dando uma ideia errada do nível de real satisfação.
Em segundo lugar os dados obtidos por clinicas podem ter sido seleccionados pela pessoa que os enviou.
Finalmente o trabalho osteopático individual pode estar associado a outras técnicas não osteopáticas que obtêm resultados sendo que esses dados não nos dizem nada sobre o real valor das técncias osteopáticas preconizadas, etc…
É importante portanto focar a atenção nos estudos cientificos controlados onde se explora o valor clinico das técnicas osteopáticas.
Do que foi dito acima e noutros artigos (referência para primeiro artigo) existem algunas problemas com os estudos cientificos em osteopatia pois usam uma abordagem reducionista em diferenciar e comparar a eficácia de técnicas quando o trabalho osteopático é integrativo e não levam em linha de conta a resposta do paciente e a necessidade de adaptar as técnicas ao mesmo.
Quase nenhum estudo aborda a natureza integrativa do tratamentos osteopático ou a natureza eclética do osteopata e existem muitas falhas e contrasensos entre estudos de diferentes fontes.
As técnicas escolhidas para este artigo levaram em linha de conta vários fatores como a relevância da prática clinica e disponibilidade de estudos científicos.
Por exemplo as técnicas de tecidos moles são as mais usadas em osteopatia mas este termo refere-se a um conjunto de técnicas não diferenciadas e com as quais não existem estudos.
Por outro lado existem poucos estudos sobre osteopatia visceral mas é uma técnica pouco usada como observado no artigo que abordava estudos de perfil osteopático (ver referência).
Ao todo foram escolhidas 4 técnicas osteopáticas para este artigo: manipulação e mobilidade articular que serão apresentadas simultaneamente, músculo-energéticas e harmónicas.
Também vai ser feita uma apresentação de alguns estudos que respeitam a natureza integrativa da osteopatia assim como a opinião de guidelines internacionais sobre o uso da osteopatia em problemas concretos.
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Técnicas Osteopáticas
Técnicas de impulso e mobilidade articular
As técnicas de impulso tem sido as mais investigadas. Tem sido estudada principalmente no tratamento de lombalgia (2). E existe um consenso cada vez maior relativamente à sua eficácia.
Meta-análises consideram que existe evidência de qualidade moderada a defender o uso de técnicas de manipulação e mobilização no tratamento da lombalgia sendo as técnicas manipulativas superiores (4).
Outros estudos indicam o uso de técnicas manipulativas e articulares no controlo sintomáticos das cervicobraquialgias.
Ocasionalmente surgem estudos onde se integram algumas técnicas como as técnicas de libertação diafragmática (3) com resultados muito positivos no tratamento da lombalgia.
As técnicas de manipulação e de mobilidade articular foram as mais referidas numa recente meta-análise, de 2017, da American Phisycal Therapy Association no tratamento da cervicalgia e enxaqueca com recomendação forte (60), (53).
No tratamento de queixas clinicas comuns, como cervicalgia e lombalgia, algumas técnicas osteopáticas são aconselhadas em guidelines internacionais como terapêuticas válidas.
Músculo-energéticas (MET)
História
Desenvolvidas nos anos 40/50 por Fred Mitchell Snr (21) tem como objetivo devolver a amplitude de movimento e fortalecimento espontâneo de músculos inibidos (20), (21).
São usadas no tratamento de diminuição de amplitude de movimento, hipertonicidade muscular e dor.
O seu sucesso ficou marcado pela rápida e crescente adoção por outros profissionais de saúde que não osteopatas como massagistas, médicos e fisioterapeutas. (20)
Estudos em pacientes saudáveis
Uma boa parte de estudos sobre estas técnicas são feitos em pacientes saudáveis.
Os estudos em cervical e no joelho mostram que existe um aumento de amplitude passiva devido a provavelmente maior tolerância ao alongamento e sem alterações visco-elásticas (15).
Um estudo em atletas de baseball mostrou que uma única aplicação destas técnicas na articulação gleno-umeral melhorava a amplitude de movimento do ombro com um nível de evidência 2b. (25)
Outro estudo em alunos do secundário do sexo masculino na Índia mostrou que estas técnicas melhoravam imediatamente a amplitude de movimento dos músculos isquiotiiais (26)
Outro estudo em atletas de natação do sexo feminino mostrou que as músculo-energéticas eram importantes para aumentar a amplitude do pequeno peitoral e diminuir a anteriorização escapular (33).
Finalmente, outros estudos mostraram que estas técnicas obtinham bons efeitos no aumento de amplitude do movimento vertebral (18).
Estudos clínicos
Existem poucos estudos na aplicação destas técnicas em situações clinicas especificas.
Um estudo comparava MET com alogamento estático no tratamento de cervicalgia (30).
O estudo concluiu que ambas as técnicas eram boas no alívio da dor e no ganho de amplitude de movimento mas existia supremacia das técnicas de MET.
Outro estudo (61) que comparava o uso de músculo energéticas com tratamento convencional e somente tratamento convencional no tratamento de disfunção da articulação sacro-ilíaca mostrou que não existia diferença de alívio de dor mas existia maior amplitude no tilting pélvico do grupo que recebeu as músculo-energéticas.
Um estudo comparava estas técnicas com injeções de corticosteróides (8 sessões de MET com 1 aplicação de corticosteróides) e acompanhamento de 1 ano no tratamento de epicodilite crónica (28).
Neste estudo a resposta dos sintomas aos 2 tratamentos foram positivas tendo sido superiores na injeção de corticosteróides numa fase inicial e superiores para as MET no longo prazo.
Uma revisão Cochrane de 2015 conclui-o que estas técnicas não eram eficazes no tratamento de lombalgia e que os estudos eram de baixa qualidade. (23)
Não foram encontrados outras revisões na aplicação clinica das MET.
Em suma, existem algumas características dos estudos disponíveis sobre estas técnicas osteopáticas.
Grande parte são feitos em populações saudáveis, existem poucos que exploram mecanismos fisiológicos, menos ainda que exploram a sua eficácia clinica e ainda menos revisões sistemáticas.
De todos os tipos de estudo, a revisão de Cochrane, que é a mais importante mostrou-se negativa no uso destas técnicas osteopáticas no tratamento da lombalgia.
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Técnicas harmónicas
Certamente uma das minhas técnicas favoritas em osteopatia. Consistem na indução de movimentos ritmicos contínuos criando movimentos pendulares dentro da frequência de ressonância natural do corpo.
Presentes desde o iníco da osteopatia foram mais desenvolvidas e estudadas pela Escola Inglesa de Osteopatia sendo um osteopata, Lederman, a pessoa que mais as estudou, ensinou e aplicou. (45).
Estas técnicas tem sido adotadas pelos fisioterapeutas e, com mais ou menos floreados, renomeadas, como é exemplo do método POLD (46).
Os diferentes estudos envolvendo POLD ou harmónicas referem a sua eficácia no alívio da dor em pacientes com hérnias lombares (9), na cervicalgia (10) (12), no tratamento de lombalgia crónica mecânica não especifíca (11) (13).
Apesar de consideradas eficazes não existem diferenças estatisticamente significativas entre técnicas harmónicas e técnicas de exercício físico no tratamento da lombalgia (14).
Os diferentes estudos variam desde descritivos a controlos randomizados usando regra geral 2 grupos (controlo ao qual é aplicado o tratamento convencional e grupo de estudo ao qual é aplicado técnicas harmónicas).
Estudos globais
Não existem muitos estudos que se foquem na combinação de técnicas, que considerem a natureza eclética do osteopata ou a componente integrativa da Osteopatia.
Na maioria das vezes os estudos existentes focam-se em técnicas isoladas (manipulativas, spencer, etc…) ou comparação de técnicas (músculo-energéticas vs alongamento passivo, etc…) e em alguns casos focam-se na comparação de grupos terapêuticos.
Num estudo (48) onde se comparava fisioterapia, exercício físico e osteopatia notou-se que todas eram boas no tratamento da dor apesar de existir maior satisfação dos doentes em abordagens mais pessoais (fisioterapia e osteopatia) sendo que a necessidade de criar grupos de exercício dificultava a aplicação de algumas técnicas.
Além deste tipo de estudos existem trabalhos já mencionados (artigo referência) focados tanto na análise de casos clinicos provenientes das clinicas osteopáticas ou de satisfação dos doentes tanto em ambiente hospitalar como em clinica privada.
Feitos em vários países estes estudos tem demonstrado uma grande eficácia clinica e satisfação dos doentes.
A satisfação do doente não implica eficácia clinica mas a grande maioria dos estudos sugere que essa satisfação está relacionada com eficácia clinica.
Por outro lado a osteopatia com maior ou menos aceitação tem surgido em cada vez mais guidelines relevantes no tratamento da dor.
A Sociedade de dor Nova Zelandeza considera o uso de técnicas manipulativas válida no tratamento da lombalgia se aplicadas nas primeiras 4 a 6 semanas (49).
Por seu lado a Sociedade Americana de Dor considera o uso de técnicas manipulativas no caso da dor não passar com auto-cuidados no tratamento de lombalgia (recomendação fraca, evidência de qualidade moderada) (50).
Uma comparação entre algumas das principais guidelines disponíveis e as suas atualizações consideram o uso de terapias manuais (sem muitas vezes fazer diferenciação entre fisioterapia ou osteopatia) como intervenções válidas (51).
Uma revisão sobre o tratamento de cervicalgia com ou sem cefaleia publicada no Journal of Orthopedic & Sports Physical Therapy considera as técnicas de manipulação e mobilização cervical como tratamentos de primeira linha (52) (53).
Problemas metodológicos
Neste artigo procura-se por consensos e não se investiga todos os estudos disponíveis nem se faz uma análise qualitativa de todos os artigos usados. Ele expressa a opinião mais aceite social e cientificamente.
Por outro lado este artigo também não consegue avaliar todas as técnicas osteopáticas.
Sem dúvida que não abordámos a osteopatia pediátrica nem se desenvolveu análises mais profundas sobre outras técnicas. Isto deve-se ao facto de ser muito dificil entrar em todos os campos num artigo destes.
O artigo foca-se em diferentes níveis de evidência mas sem as comparar ou analisar na prática osteopática pois isto será feito noutro artigo.
Por exemplo o nível de satisfação dos pacientes é importante mas não implica eficácia acima do placebo.
As auditorias independentes tornam mais válidos os resultados de satisfação dos pacientes mas falham porque os valores que dão não levam em linha de conta as desistências.
Os estudos de maior valor de evidência podem ser negativos para uma técnica e positivos para outra mas são sempre desfasados da natureza integrativa da osteopatia, etc…
Enquanto a evidência da osteopatia no tratamento de problemas musculo-esqueléticos é forte, a evidência da osteopatia visceral ainda é muito fraca.
Este artigo não aborda as diferentes dimensões do tratamentos osteopático nem diferencia a qualidade da evidência entre essas áreas.
Conclusão
Na Suiça, a Osteopatia representa um tratamento de primeira linha no combate a sintomas músculo-esqueléticos (43).
Noutros países como Nova Zelândia, EUA ou Reino Unido a Osteopatia faz parte de guidelines clinicas no tratamento de alguns problemas músculo-esqueléticos.
As técnicas osteopáticas são cada vez mais integradas em guidelines clinicas no tratamento de diferentes sintomas.
De forma geral tanto os estudos de satisfação dos doentes indicam que o nível de satisfação dos clientes com o(a) osteopata é muito elevado.
Por outro lado, estudos focados nas técnicas osteopáticas, estudos comparativos ou em guidelines apontam para a aceitação clinica das técnicas osteopáticas.
Problemas em alguns estudos especificos não conseguem negar o quadro geral.
No entanto, os estudos cientificos apresentam vários desafios aos osteopatas.
Como integrar a sua abordagem biopsicossocial centrada no paciente com a abordagem biomédica da medicina baseada na evidência focada no tratamento da doença?
Como se distinguir de todo um conjunto de profissões também centradas no paciente?
E aqui dando foco em relação à fisioterapia onde é impossível distinguir não só a abordagem centrada no paciente como as próprias técnicas?
Como melhorar a evidência não perdendo o objetivo final de garantir a melhor satisfação do doente?
Como definir as melhores guidelines clinicas com base numa trilogia conflituosa entre práticas baseadas na evidência de acordo com um modelo biomédico, a natureza integrativa da osteopativa ou a componente eclética do osteopata?
E numa época em que o osteopata tem de ser capaz de discutir cientifica e clinicamente as suas técnicas osteopáticas onde fica o espaço para a inovação?
Os moldes em que se discute a validade da osteopatia, sobre um prisma cientifico, devem ser estabelecidos por profissionais não osteopatas num modelo biomédico ou por osteopatas num modelo biopsicossocial?
Como conciliar a informação do dia a dia com a melhor evidência quando a evidência começa a dar lugar aos grandes dados obtidos da prática do dia a dia?
Algumas destas questões vão ser debatidas no próximo artigo.
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Referências Bibliográficas
(3) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0003999318302958
(4) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1529943018300160
(10) http://redi.ufasta.edu.ar:8080/xmlui/handle/123456789/810
(11) https://ddd.uab.cat/record/167861
(12) http://repositorio.upt.edu.pe/handle/UPT/561
(13) http://repositorio.uta.edu.ec/handle/123456789/9347
(14) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1556370716000109
(15) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1443846103800151
(18) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1443846103800047
(20) https://cdn.ymaws.com/www.opso.org/resource/resmgr/OMT_Binder/2-_HISTORY_OF_THE_MITCHELL.pdf
(21) http://www.manual-therapy.com/pages/met_eng.html
(23) https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD009852.pub2/full
(25) https://www.jospt.org/doi/full/10.2519/jospt.2011.3292
(26) http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.585.8817&rep=rep1&type=pdf
(28) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S000399931300453X
(33) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1360859213000739
(43) https://bmjopen.bmj.com/content/8/8/e023770.abstract
(45) http://www.cpdo.net/res/osteopathy_12.html
(46) Díaz. Juan V. L. Efectividaded de la Mobilización por Oscilación Resonante, según el Método POLD, en las lumbalgias crónicas inespecíficas (mecánico-degenerativas). Universitat Autònoma de Barcelona. 2016
(48) https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0031940607001265
(49) https://www.acc.co.nz/assets/provider/ff758d0d69/acc1038-lower-back-pain-guide.pdf
(51) O’Connell NE, et al., Clinical guidelines for low back pain: A critical review of consensus and inconsistencies across three major guidelines, Best Practice &Research Clinical Rheumatology (2017), http://dx.doi.org/10.1016/j.berh.2017.05.001
(52) https://www.jospt.org/doi/full/10.2519/jospt.2017.0302
(60) https://www.orthopt.org/ICF/Neck%20Pain%20Clinical%20Guideline%20-%20JOSPT%20-%20Sept%202008.pdf?fbclid=IwAR14RSgo9oG13CgP2gdNi_4pe7amdBzuJI9ZxSDXmpUIeYXyrpJlF2bSPoE
(61) https://portal.svu.edu.eg/svu-src/index.php/ijpts/article/view/93