Os 3 Pilares da Acupuntura

Introdução à Precisão, Manipulação e Raciocínio Clínico

A acupuntura ou punção seca, no seu sentido mais lato, para quem preferir o termo, é baseada em 3 pilares principais sendo que qualquer forma desta técnica invasiva possui estes 3 pilares.

Não interessa se o leitor é um médico acupuntor ou simplesmente gosta de associar esta terapia com ideias esotéricas como astrologia, religião e energias cósmicas pois qualquer forma de acupuntura existente possui estes 3 pilares.

Aos 3 pilares da acupuntura eu vou chamar: Precisão, manipulação e raciocínio clinico.

Vamos analisar cada um destes pilares da acupuntura em separado.

Precisão como o primeiro dos 3 pilares da acupuntura

Precisão parte da capacidade de precisar a área a tratar com esta técnica invasiva.

Este conceito está presente em todas as formas de pensar a acupuntura, desde localizar os pontos de teorias tradicionais, ter noção da profundidade do nível da agulha, usar imagiologia médica para encontrar áreas a puncionar, etc…

Na acupuntura tradicional chinesa o conceito de precisão é aplicado na marcação de pontos regulares, pontos extra e pontos ashi com as suas variantes entre escolas.

Por exemplo, algumas escolas defendem que é relevante usar os pontos regulares enquanto outras escolas referem que o mais importante é fazer palpação ao longo do meridiano, procurar pontos de maior tensão ou fraqueza e puncioná-los.

Isto significa que cada escola tem formas distintas de aplicar este conceito de precisão.

O primeiro dos 3 pilares da acupuntura, costuma ser ensinado, nos cursos de medicina tradicional chinesa, numa cadeira intitulada “topografia dos pontos e meridianos”.

No entanto, ele é mais abrangente que a própria cadeira uma vez que essa disciplina costuma ser mais focada na localização dos pontos de acupuntura regulares e extra da acupuntura tradicional chinesa.

Na acupuntura contemporânea o conceito de precisão é aplicado na deteção e tratamento de pontos gatilho, na diferenciação de tecidos (nervoso, muscular, etc…) a ser tratado, do tipo de lesão nervosa e técnica a aplicar (com diferentes tipos de estímulo elétrico ou com punção ecoguiada), etc…

pontos no quadro IMG

Manipulação de agulha como o segundo pilar

Este é o segundo dos pilares da acupuntura e está relacionado com o tipo de manipulações ou técnicas acessórias que se usam na punção desde aos ângulos de inserção da agulha a uso de estímulos elétricos.

A sua base define a componente técnica da acupuntura pois tem a ver com a capacidade do profissional de saúde de usar a agulha de acupuntura nas diferentes regiões do corpo.

Algumas técnicas estão relacionadas com formas de manipulação da agulha sendo as mais tradicionais manipulações essencialmente manuais.

Outras formas de manipulação mais modernas envolvem a eletropuntura.

Estas formas de manipulação são condicionadas por vários fatores entre os quais se contam

(1) a região do corpo a ser punturada

(2) o tipo de sintoma que se pretende tratar ou, por exemplo

(3) a adoção de determinada escola de pensamento mais tradicional.

Nos cursos de medicina chinesa os alunos costumam ser apresentados a este pilar em disciplinas próprias para manipulação.

Raciocínio como o último pilar de acupuntura

Este último pilar da acupuntura faz referência à teoria subjacente à nossa forma de selecionar áreas para tratar um determinado problema.

Por exemplo, na medicina tradicional chinesa existem diversas escolas de pensamento. Algumas dão mais atenção a pontos Shu das costas e Mu da frente, outras preferem o uso de pontos Yuan com pontos Shu das costas, etc…

Também existem profissionais que se focam mais em microssistemas enquanto outros misturam formas de raciocínio tradicionais com microssistemas.

Fora da medicina tradicional chinesa ou de meios esotéricos existem outras formas de pensar a acupunctura como modelos baseados no sistema nervoso (neuromodulação periférica e neuromodulação autonómica), Síndrome de Dor Miofascial (punção seca), etc…

Muita da eficácia terapêutica advêm da capacidade do profissional em saber definir qual o melhor método de pensamento para tratar um paciente, em particular quando sabe associar os 3 pilares mencionados neste artigo.

pontos no ombro IMG

Da teoria à prática clínica

Artrite Reumatóide como uma experiência pessoal

Atualmente estou a tratar uma paciente com artrite reumatoide sendo que essa paciente tratou-se durante quase 3 anos com outro acupuntor sem sucesso.

Depois que se começou a tratar comigo a paciente ficou, pela primeira vez em muitos anos, sem colocar um único dia de baixa durante todo o ano.

Os próprios familiares e amigos notaram diferenças enormes na forma como anda que denota a existência de muito menos dor.

Estes resultados foram possíveis porque existem diferenças significativas nos 3 pilares da acupuntura usados pelo antigo acupuntor e por mim.

Saber quais os pontos a detetar, saber quais as melhores manipulações e saber qual o melhor método de seleção de pontos para aquela paciente foram fundamentais para aliviar a dor e melhorar a qualidade de vida.

Dor e dormência na perna: a explicação prática

O mais interessante é que apesar desta ser a apresentação normal dos 3 pilares da acupuntura, na clinica eles confundem-se e não seguem necessariamente esta ordem.

(ler aqui o mesmo exemplo clinico chamando a atenção para a diferença entre neuromodelação periférica e acupuntura tradicional. Neste exemplo, mais abaixo uso uma mistura das duas)

Irei usar um exemplo clinico, baseado num caso clinico real como sempre, para explicar como se podem usar estes 3 pilares da acupuntura. Para o fazer irei inverter a ordem de apresentação dos mesmos.

Um paciente aparece com queixa de ciática no consultório sendo que o paciente refere dor na face anterior da perna e dormência entre o 1º e o 2º metatarso.

Existindo somente estes dados como é que trato este caso?

Olhando para os sintomas do paciente noto que existe dor ao longo do nervo peroneal profundo e dormência na área de inervação cutânea do mesmo nervo.

Através da palpação noto que não existem pontos gatilho (PRECISÃO), logo seleciono o método de seleção de pontos de acordo com o sistema nervoso para tratar este caso (RACIOCINIO).

Ao selecionar este método decido aplicar eletropuntura (MANIPULAÇÃO) numa dada região e decido usar diferentes graus de profundidade na inserção da agulha (MANIPULAÇÃO).

Em alguns pontos de acupuntura ou noutras regiões sem relação com pontos de teorias chinesas (PRECISÃO) vou usar puntura profunda para estimular diretamente o nervo (MANIPULAÇÃO e RACIOCÍNIO) e noutros pontos ou áreas (DETEÇÃO) faço uma punção mais superficial para estimular a inervação cutânea do mesmo nervo (MANIPULAÇÃO e RACÍOCINIO).

ReabilitaçãoNeuromuscularImg

Métodos clinicos para melhorar a precisão da punção

Os resultados obtidos com acupuntura estão muito dependentes da nossa capacidade de localizar as áreas para puntura.

Essa precisão é conseguida através:

1 – do conhecimentos de marcos anatómicos;

2 – da aplicação de tecnologia que nos permita discriminar diferentes parâmetros (Pointer, roda de wartenberg, testes sensitivos para alodinia, ecógrafo, etc…);

3 – raciocínio clínico que dê a percepção do que deve ou não deve ser tratado, etc… sendo o raciocínio outros dos pilares da acupuntura.

Neste artigo vou referir diversas técnicas que se podem usar para melhorar a precisão da punção e dessa forma os resultados clínicos.

Localização dos sintomas

É a primeira forma de se tentar obter o máximo de eficácia e parte do princípio de fazer punção no local de dor.

A localização do sintoma é muito importante mas não deve ser suada isoladamente na maioria das vezes.

Quando usada isoladamente pode ser enganadora ou menos eficaz uma vez que muitas vezes tratar somente a zona de dor não é suficiente para se ter melhoras prolongadas.

Palpação

Juntamente com a localização dos sintomas é dos procedimentos mais comuns: pode referir-se a palpação de uma zona que presente queixas, palpação de marcos anatómicos relevantes, etc…

A palpação é um dos aspetos cruciais no diagnóstico de pontos gatilho miofasciais, por exemplo.

Estudos sensitivos superficiais

No tratamento de Sensibilidade Espinhal Segmentar é comum o uso da roda de wartenberg para se estudar hiperalgesia superficial.

Também é comum o uso do cotonete ou técnicas manuais para estudo de alodinia. estes estudos permitem definir áreas de tratamento e são muito comuns no tratamento da dor crónica.

Uma técnica muito pouco usada pelos profissionais mas essencial no tratamento de muitos quadros de dor está relacionada com a nossa capacidade de usar a agulha para fazer “prospecção” das zonas a tratar com agulha de acupuntura.

Isto permite fazer uma triagem de zonas chave num quadro álgico mais complexo, por exemplo, quando afeta dermátomos.

topografia pontos de acupuntura

Manipulação

A manipulação representa um dos pilares da acupuntura como mencionado acima.

Neste caso, manipulação é uma restrição de um conceito mais alargado e exprime a necessidade de se usar a agulha como se fossem as pontas dos dedos, especialmente quando queremos distinguir tecidos profundos para punção, redireccionamento da agulha, etc…

Puntura com manipulação fascial

Puntura associada a técnicas de mobilização muscular e fascial.

Ajuda a distinguir a posição da agulha face à puntura muscular.

Importante no tratamento de problemas musculares e reabilitação neuro-muscular.

Na primeira técnica de manipulação o que está em causa é a manipulação da agulha e a sensação associada à puntura de vários tipos de tecido.

Neste caso não é tanto a manipulação da agulha mas mais dos tecidos nos quais queremos intervir.

Puntura ecoguiada

Começou a ser usada em estudos científicos nos anos 90 e atualmente está muito desenvolvida por parte de fisioterapeutas que fazem acupuntura.

A puntura ecoguiada refere-se ao uso de ecógrafo para obter informação anatómica em tempo real ao mesmo tempo que inserimos a agulha em profundidade nalguns tecidos.

Tem grandes vantagens quando pretendemos punções muito profundas para encontrar áreas muito limitadas.

Punção eletroguiada

Tal como a prospecção é uma técnica pouco usada mas extremamente eficaz em em alguns quadros álgicos.

Neste caso procura-se as zonas para puntura através do estudo local da condutividade elétrica. Permite estudar disfunção simpática em muitos quadros de dor crónica.

Puntura termoguiada

Inicialmente desenvolvida nos EUA nos anos 90 é pouco usada em Portugal.

Tem grandes vantagens no estudo da temperatura dos tecidos a tratar, especialmente alterações que não sejam facilmente detectáveis através da palpação.

Integrar procedimentos para puntura mais eficaz

Na maioria das vezes estes diferentes procedimentos não devem ser usados isoladamente.

Existem vantagens e desvantagens em todos eles:

1 – uns são mais eficazes para determinadas situações;

2 – outros são financeiramente mais dispendiosos;

3 – alguns exigem muita prática com manipulação de agulha, experiência clínica diversificada, etc…

Conclusão

A acupuntura em quanto técnica invasiva seca tem 3 pilares essenciais: precisão, manipulação e raciocínio clínico.

Cada um destes pilares da acupuntura é um mundo por si mesmo com alguns aspetos mais complexos que, por vezes, tornam difícil o seu domínio.

É a capacidade do acupuntor em dominar estes 3 pilares da acupuntura que vai definir, muitas vezes, o sucesso do insucesso clinico.