O que é a acupuntura médica?
TABELA DE CONTEÚDOS
“Ainda erradamente apelidada de medicina alternativa por pseudo profissionais, a Acupunctura não merece ser qualificada como tal, pelo aspecto depreciativo com que esse termo a rotula. Há sim, e apenas, MEDICINA.” – marketing de clinica de acupuntura médica em 2009
Em 2007 foi quando comecei a escrever sobre “acupuntura médica” em Portugal através de um artigo do Jornal do expresso cuja entrevistada era uma médica de família, na altura, vice-presidente da Sociedade Médica de Acupuntura Portuguesa,.
No entanto este termo já era bem conhecido no estrangeiro.
Em 1998 Adrian White e Jaqueline Filshie publicam a obra Medical acupuncture – A Western Scientific Approach, traduzida em 2002 para português pela editora Roca.
De acordo com esta obra a acupuntura médica é uma forma de acupuntura baseada no numa abordagem puramente cientifica.
Contudo olhando para a obra vemos que existe uma mistura de conceitos tradicionais (pontos de acupuntura), modalidade de eletroterapia modernas que saem fora do âmbito da acupuntura (TENS) e uma mistura de acupuntura tradicional com contemporânea.
Acima de tudo é a tentativa da apropriação profissional de uma técnica terapêutica. Uma forma de misturar política com ciência!
Argumentos a favor da acupuntura médica
Apesar de não existir nada na acupuntura tradicional chinesa ou acupuntura contemporânea que indique ser da competência médica, estes profissionais tentarem criar uma série de argumentos que justifique a sua primazia.
Estes argumentos justificavam a existência da acupuntura médica enquanto marca distintiva, própria da classe.
Vamos pegar nos principais e discuti-los.
A importância do diagnóstico médico
Existem 2 variações deste argumento.
Existe a variação que é importante saber fazer o diagnóstico e a versão que o diagnóstico médico deve vir em primeiro lugar.
Ambas muito parecidas mas com implicações diferentes.
Saber fazer o diagnóstico médico
“É preciso saber fazer o diagnóstico” Helena Ferreira, vice-presidente da SPMA
“Quando se inicia o tratamento é imperativo ter previamente sido estabelecido um diagnóstico médico correcto. Apenas um médico é competente para o fazer.” SPMA
Para a Sociedade Portuguesa Médica de Acupuntura é preciso saber fazer o diagnóstico corretamente. Sendo neste caso o diagnóstico médico.
Este argumento é espetacular sabendo nós que a acupuntura foi desenvolvida por uma cultura que não usava o diagnóstico médico.
Curiosamente, no início do século XXI, os médicos portugueses estudavam todos por obras de medicina chinesa como o Maciocia, tal como os outros acupuntores.
O diagnóstico é, na maioria das vezes, formulado dentro dos parâmetros definidos pela medicina chinesa e esta é essencialmente sintomática.
Por outras palavras a acupuntura é indicada no tratamento de sintomas principalmente e na relação que estes formam entre si.
Neste caso, o diagnóstico médico é completamente inútil na maioria das vezes.
Por outro lado as aplicações terapêuticas desta técnica invasiva em problemas músculo-esqueléticos exigem, muitas vezes, abordagens neurofisiológicas e biomecânicas que os médicos também não sabem fazer.
Especialmente médicos de família!
Isto não indica que com o aumento do conhecimento sobre limitações e potencialidades clinicas da acupuntura não existam alguns casos específicos em que o diagnóstico médico possa ser útil.
Mas enquanto terapêutica, a acupuntura adapta-se a uma série de analises clinicas diferenciadas sem precisar e um diagnóstico próprio: diagnóstico médico ocidental, diagnóstico de medicina chinesa, diagnóstico osteopático, etc…
Fazer o diagnóstico médico em primeiro lugar
“tem de haver um diagnóstico antes. Pode haver patologias complicadas que devem ser tratadas” Pedro Nunes, ex-bastonário da Ordem dos Médicos
O ex-bastonário da Ordem dos Médicos focava-se muito neste argumento.
E, na minha opinião, tem razão. Os pacientes deveriam fazer sempre em primeiro lugar o diagnóstico médico pois é o diagnóstico mais avançado e fiável que existe.
Se um paciente tiver uma crise de dor muito aguda o primeiro conselho é dirigir-se a uma urgência hospitalar.
No entanto isto é um argumento que se foca na relevância merecida do diagnóstico médico mas que não justifica a primazia da acupuntura médica, pois o diagnóstico diferencial nunca será feito pela acupuntura médica.
Este também é um falso problema pois na maioria das vezes os pacientes já foram diagnosticados pela medicina.
Atrasar tratamentos
“Não se devem atrasar tratamentos que podem ser mais efetivos para a patologia em causa, a utilizar a acupuntura em vez de um tratamento mais eficaz” Helena Ferreira, vice-presidente da SPMA
Este é um excelente argumento de propaganda pois em imensos estudos feitos sobre segurança e riscos da acupuntura o atraso nos tratamentos médicos nunca foi levantado.
Este é um problema que se levanta quando se quer vender acupuntura médica.
Alguns factos relevantes:
1 – a maioria, a quase total maioria, dos pacientes que recorre à acupuntura já foi visto e tratado por médicos;
2 – na maioria dos casos se um médico pedir a um doente para parar com um determinado tratamento de forma a fazer um exame ou a poder aplicar-se outro tratamento o doente concorda;
3 – a acupuntura não é um tratamento exclusivo e é perfeitamente integrado com outros tratamentos médicos;
Formação do técnico e segurança da técnica
“A maior parte dos efeitos adversos da acupunctura relaciona-se com a má preparação do técnico.” Helena Ferreira, vice-presidente da SPMA
Melhor dizendo, os estudos afirmam: a acupuntura é extremamente segura e a sua segurança aumenta na medida que a formação do profissional também aumenta.
Ironicamente este argumento foi usado por uma médica, que na entrevista, referia já ter tratado 20 doentes!
No entanto, e independentemente da vasta experiência clinica da entrevistada, isto não é um argumento que justifique a acupuntura médica por várias razões:
1 – a boa formação técnica pode ser dada a qualquer profissional de saúde;
2 – os cursos de especialização de acupuntura médica são pequenos e não se diferenciam pela sua alta taxa de formação técnica;
3 – este é um dos argumentos a favor da regulamentação contra a qual a Ordem dos Médicos se opôs por diversas vezes.
Ao mesmo tempo que os responsáveis da Sociedade Portuguesa de Acupuntura Médica critica muitos terapeutas pela sua fraca formação a Ordem dos Médicos tenta atrasar a regulamentação que obrigaria estes terapeutas a desenvolver melhor formação.
Integração no Sistema Nacional de Saúde
“Segundo a médica, a acupunctura deixou de ser uma terapêutica alternativa desde que foi integrada no Serviço Nacional de Saúde… e até em Universidades estatais” Helena Ferreira, vice-presidente da SPMA
De todos os argumentos este é o politicamente mais ingénuo e hipócrita que se poderia usar.
Agora que os médicos começaram a exercer no público os outros profissionais estão proibidos!
A partir do momento que os médicos portuguerses começaram a usar esta terapêutica no Sistema Nacional de Saúde, a mesma deixa de fazer parte da Medicina Tradicional Chinesa.
Reflexões sobre aspetos técnicos da acupuntura médica
Como construir protocolos em medicina interna
Por esta altura o leitor já conclui-o que os médicos são a última bolacha do pacote. E de acordo com as bolachas só se pode fazer acupuntura com base no diagnóstico médico.
O que acontece é mais ou menos isto: a medicina chinesa diz que 2 ou 3 pontos são bons para tratar determinado sintoma (6MC para gastralgias ou vómitos, por exemplo).
Alguns estudos científicos, demonstram que estes pontos são bons para aliviar queixas digestivas como gastralgias (dor de estômago), dilatação abdominal, etc…
Então, cada vez que os médicos diagnosticarem uma úlcera gástrica ou outro problema qualquer em que apareçam estes sintomas, podem usar estes pontos de acupuntura.
E assim temos a acupuntura médica.
Uma análise mais próxima dos tão famosos protocolos de acupuntura médica (que podem sofrer pequenas alterações de país para país) permite-nos compreender que são imitações baratas e despersonalizadas de protocolos de acupuntura tradicional chinesa.
Os protocolos usados no tratamento de muitas doenças não são mais que adaptações generalistas dos protocolos da acupuntura tradicional.
Estas adaptações são banhadas de respeitabilidade pelo seu nome próprio: “Acupuntura Médica”.
Este processo está bem representado na obra “Acupuntura Médica: um enfoque cientifico do ponto de vista ocidental”.
Aqui são analisados uma série de estudos científicos sobre o efeito da acupuntura no tratamento de uma série de patologias.
Estes resultados são apresentados por sistema: cardiovascular, digestivo, etc…
As descobertas são excepcionais:
1 – os pontos 17VC, 6MC e 36E são bons para disfagia;
2 – 36E é útil no tratamento da dor epigástrica e cólicas intestinais;
3 – 6VC, 25E e 36E são benéficos no tratamento da diarreia infantil;
4 – 25E, 25B, 3F e 4IG devem ser utilizados no tratamento da obstipação;
5 – o ponto 57B deve ser usado no tratamento de hemorroidal.
Realmente impressionante.
O interessante é que muitos destes estudos recorreram a especialistas de medicina chinesa para a sua elaboração e os pontos foram seleccionados de acordo com o que a medicina chinesa afirma.
Agora basta aplicar os pontos em patologias médicas com os mesmos sintomas e voilá…
Do plágio para o discurso do medo dos pseudo-profissionais sem protocolos plagiados é um pequeno passo sem uma fronteira de bom senso ou honestidade intelectual.
Como uma leitora do blog, Ana, comentou há uns anos:
“O meu médico (ocidental) tem também um mestrado em medicina chinesa tirado no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar no Porto (instituto muito prestigiado aqui no porto). Ora bem, eu sou aluna do 3ºano de MTC, e tinha curiosidade em saber os conhecimentos que são passados nestes mestrados e pos-graduações para MÉDICOS, fiz algumas questões inocentes ao meu médico sobre alguns temas da MTC. Cheguei à conclusão que o que aprendem é que tal ponto de acupunctura é bom para isto, para aquilo, etc. Explicar o os fundamentos? Não sabem…”
Um forum aberto, um forum fechado
Quando o forum da Sociedade Portuguesa Médica de Acupuntura começou era de acesso geral.
Rapidamente se arrependeram porque pouco tempo depois de ue ter sido aceite fui expulso do forum.
Mas antes de ter sido expulso pude analisar a literatura técnica que os médicos acupuntores aconselhavam.
Um dos poucos tópicos ainda criados na altura intitula-se “Livros do Acupunctura na Livraria dos HUC”.
Neste tópico pode ler-se o seguinte:
“Prática de Acupuntura: Hecker, Hans-Ulrich
Esta obra oferece a apresentação mais clara e acessível de todas as localizações dos pontos de acupuntura, bem como de seus conceitos fundamentais, sendo ideal para aqueles que praticam a Medicina Tradicional Chinesa (MTC)” (2)
Depois seguiam uma data de livros de Giovanni Maciocia, médico italiano que é especialista em Medicina Chinesa e um dos autores ocidentais mais conhecidos.
Entre a vasta literatura de medicina tradicional chinesa aconselhada encontrava-se:
1 – Diagnóstico da língua na Medicina Chinesa;
2 – Prática da Medicina Chinesa;
3 – Fundamentos da Medicina Chinesa, entre outros.
Além da literatura técnica da acupuntura tradicional chinesa também era comum estágios de acupuntura em hospitais chineses. Deja vu!
A evolução do pensamento na patologia músculo-esquelética
Por um lado, em patologias de medicina interna, os protocolos de acupuntura médica são uma generalização fraca do pensamento clínico de medicina chinesa.
Por outro lado, no tratamento de sintomas neuro-músculo-esqueléticos a acupuntura médica sofreu uma evolução muito positiva que a ajudou a afastar-se cada vez mais dos tradicionalismos chineses através da acupuntura neuro-funcional.
Já na obra mencionada de Acupuntura Médica se focava muito em conceitos científicos no tratamento de dor neuro-músculo-esquelética com o uso de punção segmentar, etc…
(conceitos estes mais tarde adotados pela fisioterapia invasiva como e fosse produção própria!)
De forma reduzida:
“A Acupuntura Neurofuncional é uma técnica terapêutica que se utiliza de agulhas de acupuntura ou de outras modalidades de estímulo mecânico ou físico para produzir efeitos neuromodulatórios somáticos.
Para tanto, qualquer zona neurorreativa do corpo humano pode ser alvo das intervenções, desde que relacionada previamente a um diagnóstico de sensibilização neural, seja ao nível local, segmentar ou suprassegmentar.
A escolha e a profundidade dos locais a serem estimulados dependem, em suma, das propriedades neurofisiológicas das estruturas que estão sendo estimuladas e dos efeitos previsíveis sobre a disfunção orgânica diagnosticada.”
Ou seja os médicos começaram a focar-se na componente neuro-fisiológica do raciocínio clínico que é uma das formas mais avançadas de acupuntura moderna existente atualmente.
Aspetos socio-históricos para se compreender a postura dos médicos portugueses
O poder de decisão e os técnicos de acupuntura
“Nem todas as patologias ou casos clínicos têm indicação para tratamento e cabe ao seu médico decidir que casos podem ser tratados com Acupunctura.” SPMA
Parte da postura da acupuntura médica, no início do século XXI, está relacionada com a primazia do diagnóstico médico e do seu estatuto social.
O médico faz o diagnóstico, prescreve e supervisiona o tratamento.
Por isso as variações do argumento da primazia do diagnóstico médico e o uso constante do termo “técnicos” para designar os acupuntores.
Historicamente a única vez que a Ordem dos Médicos apoiou uma qualquer versão da regulamentação destas áreas implicou a perda de autonomia profissional dos terapeutas para se tornarem “técnicos” sobre alçada médica.
Dr., doutores e médicos
Outra posição tomada publicamente por muitos médicos estava relacionada com a invasão de competências e o uso abusivo de títulos profissionais.
Muitos acupuntores, no início d2 2010, começavam a pedir exames de diagnóstico como ecografias, radiografias e exames ao sangue.
Por outro lado a maioria dos acupuntores usava títulos de Dr. e em algumas escolas os alunos eram ensinados que eram “médicos de medicina chinesa”.
Estas posições foram vistas como abusivas e desonestas por parte de muitos médicos, especialmente, especialistas em acupuntura médica.
Um médico acupuntor chamado Rui escreveu no meu blog da altura:
“É altura que as pessoas se assumam, e não engane os utentes . Uma vez por todas é a culpa exclusiva dos ditos Licenciados se intitularem DR e fazer a confusão com os Médicos, parece que os tecnicos em acupunctura tem vergonha de serem bons tecnicos, precisam usar o sombra do DR. Eu sou médico e tenho mestrado em acupunctura e assisto todos os dias esta situação !
TENHAM CORAGEM EM ASSUMIR QUE NÃO SÃO MÉDICOS PARA OS DOENTES!!”
Se por um lado os médicos sentiam como ataque pessoal o uso do títulos de Dr. por parte dos acupuntores, estes sentiam o uso do termo “técnico” como um ataque existencial à sua autonomia.
E parece que em nenhum momento foram capazes de reconciliar estes pontos de vista nem discutir abertamente sobre eles. O tempo tratou de os tornar esquecidos!
O único local onde vi alguma discussão e apresentação e pontos de vista foi no meu blog onde escrevi abertamente sobre este problema.
Outra médica acupuntora, chamada Maria, escreveu:
Boa tarde,
Após ler a reflexão do Nuno Lemos, mesmo após 1ano depois de publicada no blog, gostaria de esclarecer o essencial.
penso que o meu colega( licenciado em Medicina-com 6anos de faculdade de medicina), quis referenciar a questão do abuso do uso de Dr. Como medico e suas funções. ou seja, eu com 6 anos de formação, mais pós graduação em acupunctura, uso acupuntura como tratamento complementar nos meus pacientes. Posso, receitar, pedir exames complementares de diagnostico, entender os resultados, pois tenho especialidade medica e a faculdade de medicina. i- me obrigada a usar o título de Dra pois na minha zona há pessoas com 6meses de formação de acupuntura, outros de MTC, mas todos pedem ao doente para trazer analises, ecografias, tac…tudo o que tiver para analisar. O que para o povo leigo acha o máximo, o que eu acho ridículo, falta de ética total e gozo com a população.pois, por vezes, eu tenho que pedir ajuda a outro colega de outra especialidade pois nao entendo o resultado e um não médico entende? Cada um deve estar no seu local! Infelizmente, nao é a saude do doente em jogo, mas sim o negocio!mas a boa conversa e mentira faz da pessoas com alguma formação em medica…a questão é essa, porque DR. Qualquer um tem, basta ir ao banco ter 2000€ e perguntam:quer doutor no cartão? Haja saude!
Evolução sócio-profissional nos últimos 10 anos
A medicina está a adaptar-se a um mundo onde passou da profissão dominante para uma situação em que é a profissão mais forte mas obrigada a partilhar o espaço com outras profissões cada vez mais independentes.
Em 10 anos passámos de uma situação em que alguns acupuntores pediam exames complementares de diagnóstico como ecografias para uma situação em que fisioterapeutas fazem acupuntura eco-guiada.
A evolução da tecnologia e a diminuição dos custos associados com a mesma está a torná-la mais apetecível para outros profissionais de saúde.
E o poder histórico dos médicos não consegue rivalizar com a evolução do mercado.
As discussões sobre títulos foram esquecidas e hoje em dia já ninguém e lembra do tempo em que os médicos queriam que fossemos técnicos.
Atualmente tanto os acupuntores como a própria acupuntura médica acabam por ser atacados por grupos de céticos nas redes sociais onde se destacam outros médicos como o site do Scimed.
A noção de risco alterou-se e tanto os terapeutas como os médicos deviam aprender que os verdadeiros riscos não se colocam no uso de títulos ou na manutenção de privilégios históricos mas sim na capacidade de adaptação tecnológica e inovação.
Entre o público e o privado
Historicamente os médicos tentaram dominar o serviço público e o privado na oferta deste tipo de serviços.
A Ordem dos médicos trabalhava de acordo com o interesse da sua classe e dos colégios que a compõem.
Desta forma, pouco depois de se classificar publicamente a acupuntura como Vudu criou-se a Sociedade Portuguesa Médica de Acupuntura (SPMA).
Quando se falava na integração de acupuntores no SNS, Vaz Carneiro vinha dar entrevistas a dizer que esta terapia só deveria ser feita se fosse provada a sua eficácia e pouco depois descobria-se que já eram dadas milhares de consultas anuais no SNS… por médicos!
Em 2009, artigos de jornais indicavam ser mais de 3000 consultas anuais de acupuntura em hospitais públicos.
E, 2014 falava-se da acupuntura na reabilitação de pacientes em Alcoitão.
E em 2020 é dado adquirido o uso generalizado de acupuntura nas clinicas de dor crónica.
Os médicos foram bem sucedidos em atrasar a regulamentação (com muita ajuda das guerras internas dos acupuntores) e conseguiram dominar o crescimento da acupuntura no SNS.
No entanto a história é completamente diferente no privado.
Não conseguiram impor-se como classe dominante, não conseguiram destruir a concorrência que os acupuntores representavam e não conseguiram impedir outros profissionais de saúde de entrar na área.
As razões para este falhanço são 2:
1 – ao contrário do que os médicos gostam de pensar a acupuntura médica nunca teve nenhuma vantagem histórica em relação aos terapeutas.
Na melhor das hipóteses eram 2 profissões a empregar protocolos de pontos de acupuntura que não compreendiam!
2 – em segundo lugar os médicos acham que devem ser mais bem pagos porque são médicos o que significa que as consultas são muito mais caras.
Há uns anos fiz um estudo comparativo e em média as consultas de acupuntura médica eram o dobro das consultas nas clinicas de acupuntura.
Por outras palavras, os médicos levam muito mais caro pelo mesmo tipo de produto quando os doentes não são ricos nem parvos.
A Fisioterapia invasiva mostra as limitações da acupuntura médica e não só!
Historicamente os médicos tem um contacto muito mais próximo com o ecógrafo que os fisioterapeutas.
No entanto foram os fisioterapeutas que conseguiram adotar o ecógrafo na prática clinica generalizada para fazer acupuntura ecoguiada.
A perceção de risco dos acupuntores mudou: aprenderam a viver com os médicos acupuntores mas tem medo dos fisioterapeutas.
Por um lado a acupuntura médica era um risco existencial para a autonomia profissional mas a fisioterapia invasiva é um risco puramente existencial pois o fisioterapeuta nem considera a existência de outros profissões e acha-se no direito de definir acupuntura dentro dos seus interesses profissionais.
Há várias razões pelas quais a fisioterapia invasiva se pode sobrepor à acupuntura médica:
1 – posição mais centrada no doente e menos em exames de diagnóstico – na realidade usa exames de diagnóstico para melhorar a abordagem centrada no paciente.
Por outro lado o médico tem uma abordagem muito protocolada. O fisioterapeuta também mas em menos grau que o médico o que lhe confere vantagens na adaptação do tratamento às especificidades do paciente.
2 – O fisioterapeuta encontra-se numa situação de ganho financeiro porque as consultas de acupuntura ficam mais caras que as de fisioterapia.
Logo conseguem ter preços iguais aos dos terapeutas e ser competitivos enquanto os médicos continuam a achar-se no direito de levar preços muito elevados.
Esta integração torna a sua abordagem mais eficaz e permite definir melhor quais os momentos de tratamentos e marquesa e fora da marquesa mais relevantes.
Os médicos e os terapeutas mantém abordagens mais tradicionalistas e isoladas muito focadas na marquesa.
No entanto os médicos não tem de enfrentar desafios relacionados com a definição técnica da sua atuação enquanto o fisioterapeuta vai ter de enfrentar esse desafio.
A evolução do marketing
O marketing feito pelos médicos também mudou radicalmente ao longo destes 10 anos.
Numa clinica de acupuntura médica em 2009 usava-se as lenga lenga inculta e ignorante do costume sobre as energias yin e yang e os desequilíbrios energéticos associada ao marketing do costume de dizer que agora era medicina.
Em 2020 a mesma clinica tem um marketing focado numa explicação neurofisiológica da acupuntura, ausência de qualquer tipo de conteúdo esotérico ou de afirmação social.
A evolução do marketing em acupuntura claramente acompanhou a evolução técnica e deixou de precisar de usar rótulos de afirmação social.
Evolui-o e aprendeu a viver juntamente com os acupuntores.
Reflexões finais
Ao contrário do que o Scimed gosta de pensar a Ordem dos Médicos não vai acabar nunca com a acupuntura médica.
Ao contrário dos desejos e sonhos de muitos terapeutas, a medicina é e vai continuar a ser a profissão de saúde mais forte que existe.
Essa força social é facilmente perceptível nos tipos de cursos que existem:
1 – as pós-graduações de acupuntura médica são só feitas para médicos;
2 – os cursos de fisioterapia invasiva tanto são abertos a médicos como acupuntores
3 – os cursos de acupuntores eram abertos a toda a gente…
O médico acupuntor vai continuar a exercer e vai dominar a acupuntura a nível do SNS provavelmente discutindo fronteiras profissionais com o interesse dos enfermeiros na acupuntura.
Introduziu a acupuntura nas principais clinicas de dor crónica e vai continuar a integrar esta técnica com a abordagem farmacológica dentro dos parâmetros a que estão habituados a tratar.
No mercado liberal nada vai impedir os médicos acupuntores de exercer mas dificilmente serão considerados uma força a temer.
Abordagens pouco centradas no paciente, preços muito elevados e pouca capacidade de integrar técnicas manuais e invasivas vai tornar mais difícil ao médico acupuntor ser uma referência.